Apresentação
Neste artigo argumentamos os motivos pelos quais a manufatura e comércios de peles de répteis legalizadas estão interligados com a manutenção da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável em nosso Planeta.
Biodiversidade
A definição de biodiversidade aparece no dicionário Biologyreference.com como a soma total da vida na Terra, o conjunto total de biomas e ecossistemas e as espécies que nele habitam – plantas, animais, fungos e microorganismos – inclusive seus comportamentos, interações e processos ecológicos. A biodiversidade também está vinculada diretamente a componentes não biológicos do planeta – atmosfera, oceanos, sistemas de água salina e doce, formações geológicas e solo, que são os elementos que formam a biosfera.
Com um número cada vez maior de espécies ameaçadas de extinção pelo “dilúvio” da economia global, podemos vir a ser a primeira geração, na história humana, que terá de agir como Noé para salvar os últimos pares de uma grande variedade de espécies. Ou como Deus ordenou a Noé no Gênesis: “E de cada ser vivo, de tudo o que é carne, farás entrar contigo na Arca dois de cada espécie, um macho e uma fêmea, para conservá-los vivos”.
Ao contrário de Noé, no entanto, nós – nossa geração e civilização – somos responsáveis pelo dilúvio e temos a responsabilidade de construir a Arca. Para mostrarmos sabedoria, temos que agir como Noé – criando arcas, não dilúvios. É nosso desafio e nossa responsabilidade combatermos a ameaça à biodiversidade da Terra, à medida que um número cada vez maior de espécies vegetais e animais torna-se extintas ou ameaçadas de extinção.
A Conservação Internacional, uma ONG dedicada à preservação da biodiversidade, calcula que hoje uma espécie é extinta a cada vinte minutos, uma velocidade mil vezes maior do que a registrada durante a maior parte da história do planeta. Compreensivelmente, é difícil imaginar que nós, humanos, sejamos responsáveis pelo fato de que algum evento, na natureza, aconteça a um ritmo mil vezes mais rápido que o normal. Segundo Edward O. Wilson, professor da Universidade de Harvard e uma das maiores autoridades mundiais em biodiversidade, as atividades humanas poderão ser responsáveis pelo desaparecimento de cerca de 20% das espécies nos próximos 30 anos. Se isso ocorrer, haverá a maior extinção de espécies no planeta, comparável apenas à ocorrida há 65 milhões de anos, quando teve fim a era dos dinossauros.
Além dos valores estéticos, religiosos e espirituais da biodiversidade, existem alguns benefícios de ordem prática, que são chamados pelos ambientalistas de “serviços dos ecossistemas”. Os ecossistemas naturais oferecem uma ampla gama e benefícios e serviços às pessoas que não tem condições de dispor de supermercados ou de água encanada. Os ecossistemas fornecem água potável, filtram poluentes dos cursos de água, proporcionam áreas de reprodução de peixes, controlam a erosão, protegem as comunidades humanas das tempestades e desastres naturais, abrigam insetos que polinizam as plantações e atacam pragas e retiram CO2 da atmosfera. Esses serviços são essenciais para as pessoas pobres dos paises em desenvolvimento que dependem diretamente dos ecossistemas pra sua sobrevivência.
Biologia da Conservação
A preservação da biodiversidade hoje é abordada por um setor da biologia identificada como Biologia da Conservação. Esta seção do estudo científico utiliza os mais avançados estudos de ecologia, aplicando cálculos matemáticos complexos e estudos de interações ecológicas pra chegar a conclusões próximas da exatidão. Seus estudos são responsáveis por elaborar programas de manejo que conciliam desenvolvimento, geração de renda e preservação tendo como foco a “saúde” dos ecossistemas como um todo.
Atua nas soluções de problemas sugerindo práticas de manejo com objetivo de preservação dos ecossistemas como um todo e as espécies neles encontrados, procurando harmonizar a ação antrópica quando existente sugerindo formas de geração de renda com sustentabilidade através de manejos extrativistas avaliando as práticas propostas ao longo do tempo. Neste contexto os biólogos se desprendem de qualquer motivação passional quando chegam à conclusão que para manter determinada área de floresta, por exemplo, precisam organizar um programa de abate de um determinado animal exótico ou silvestre que esteja em abundância ou derrubada de espécies de plantas exóticas invasivas. Portanto, preservar os ecossistemas pode gerar um embate com entidades protetoras dos animais, por exemplo.
Trabalhos deste porte estão espalhados pelo mundo principalmente nas florestas úmidas tropicais onde o índice de biodiversidade é alto e as populações que nelas vivem necessitam trabalhar procurando minimizar o impacto causado pela sua permanência no local. Esses programas se tornam vitais quando nos aproximamos cada vez mais da superlotação do Planeta com 9 bilhões de habitantes (2050), superpovoamento dos grandes centros urbanos, acentuada perda da área florestal e conseqüente declínio da biodiversidade. Os programas de manejo são geralmente orientados/fiscalizados por entidades governamentais dos paises de origem (ministérios) e quando envolvem a comercialização internacional de espécies e seus derivados são controlados pela CITES (Conferência Internacional do Tratado das Espécies da Fauna e Flora Ameaçadas de Extinção), com sede em Genebra (Suíça) (www.cites.org).
O Trabalho com Peles de Répteis
O trabalho da Arte da Pele, de manufatura e comércio de peles de répteis possui um controle rígido da CITES e do IBAMA e uma relação direta com os trabalhos orientados por biólogos conservacionaistas. Todo manejo de répteis no mundo possui uma escala de estudos que apontam, em primeiro lugar, o modo de vida e a quantidade de indivíduos da espécie no seu habitat original e, em segundo plano, a forma correta de exploração da espécie apontando as quantidades e a idade (tamanho) dos indivíduos que podem ser capturados sem que haja prejuízo daquela espécie naquele ecossistema, assim como a forma e a época do ano ideal pra captura.
No Brasil possuímos vários exemplos de sucesso, mas o mais presente pra nós é o do jacaré-do-Pantanal. Onde através de coleta de ovos na Região são encubados e criados em cativeiro pra utilização da carne e pele. Todo trabalho é acompanhado por biólogos contratados e projetos aprovados no IBAMA. A carne e a pele são processadas em empresas também fiscalizadas pelo IBAMA. É um exemplo de sucesso de preservação da espécie Caiman crocodilus yacare, explorada de forma desordenada durante as décadas de 50 a 70, e de geração de emprego e renda numa região onde a atividade agropecuária é restringida por fatores de solo e clima além de prejudicar o ecossistema pantaneiro, a maior planície alagada do mundo com 146 mil km² considerada reserva da Biosfera pela ONU. Todas as peles são lacradas e são exportadas, assim como seus artefatos, com licença CITES.
Na Amazônia a exploração racional do Pirarucu, peixe de sabor pronunciado até então ameaçado de extinção, também é um ótimo exemplo em que a conservação e geração de renda pra povos da floresta podem andar juntas quando temos auxílio da ciência.
A Arte da Pele tem nas peles de Python sp (P. reticulatus, P. curtus brongersmai) um dos mais belos trabalhos em couros artesanais. Esta cobra não possui veneno e mata suas presas por constrição. Os maiores provedores mundiais destas peles são a Indonésia e a Malásia. Estas espécies estão enquadradas pela CITES, não são consideradas em perigo de extinção, mas merecem atenção e fiscalização para que não entrem em perigo. Em anexo temos as tabelas de cotas anuais de coleta destas espécies.
A exploração destas espécies nestes países se dá por manejo, com coleta controlada, e/ou criação em cativeiro. Esta atividade é exercida na maioria por nativos que consomem a carne de cobra, muito apreciada por eles, e vendem a pele que é processada em curtumes especializados.
O processo de manejo conta com o apoio de biólogos cadastrados nos ministérios de meio ambiente de que respondem por um censo demográfico aproximado de unidades da espécie. Este censo serve para identificar a quantidade de cobras que estão disponíveis na mata e quais as médias de tamanhos mais disponíveis. A partir deste dado são tabeladas as quantidades de cada tamanho que podem ser capturados em cada região. A fiscalização é realizada pelos órgãos ambientais que distribui Licenças de Coletas (WL) para cada comunidade. Estas licenças são cadastradas na CITES e vêem codificadas nos documentos de procedência que acompanham as peles durante toda sua comercialização.
Esta atividade está relacionada diretamente com a preservação da floresta tropical, pois a python necessita deste ecossistema “em ordem” para procriar, sendo uma alternativa importante pra sobrevivência dos povos da floresta e que gera recursos financeiros com a venda da pele para os curtumes. Portanto, estamos diante de mais um exemplo bem sucedido de conservação da biodiversidade com geração alternativa de recurso alimentar e renda para os povos da floresta.
Programas como de manejo da python, que preservam a biodiversidade da floresta, são de extrema importância porque o Sudeste Asiático, com seu enorme arquipélago, é o segundo local em biodiversidade terrestre do Planeta, só perdendo para a América do Sul. A Indonésia é a campeã da biodiversidade neste continente e, por conseqüência, é a maior provedora de peles de python sp com a maior cota de coleta, mais de 160 mil peles/ano (ver tabelas em anexo). Embora cubram apenas 1,3% da superfície terrestre as florestas da Indonésia representam 10% de todas as florestas tropicais do mundo e é lar de 20% de todas as espécies da fauna e flora do mundo. E a importância aumenta quando nos deparamos com os índices de desmatamento neste país, o maior do mundo (o Brasil está em quarto lugar). Segundo a Conservação Internacional uma área de trezentos campos de futebol é cortada na Indonésia a cada hora e o desflorestamento ilegal custa 3 bilhões de dólares/ano para os cofres do governo indonésio. Cerca de 70% do carbono liberado na atmosfera pela Indonésia provem da derrubada de florestas.
Conclusão
O trabalho de manufatura de peles de répteis legalizadas está interligado com um conjunto de ações que promovem a preservação das espécies envolvidas e, por conseqüência, colaboram para preservação dos seus ecossistemas gerando renda para populações que os habitam. Esta ação torna-se cada vez mais importante à medida que avança a extinção de espécies provocada pelo desenvolvimento desordenado em nosso Planeta.
Utilizar couros de répteis significa colaborar para manutenção da biodiversidade da Terra.Segundo Glenn Prickett, da Conservação Internacional, “Preservação não é o contrário de consumo – temos que consumir para viver e desenvolver nossas economias, mas podemos consumir mais e preservar mais ao mesmo tempo. Temos de identificar os lugares e recursos que precisamos conservar em seu estado natural e crescer em torno deles”.
Referências bibliográficas
Friedman, Thomas L. Quente, plano e lotado: os desafios e oportunidades de um novo mundo; tradução Paulo Afonso – Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.
www.cites.org
www.conservation.org.br
Luis Estevão Bocchi
Sócio-Gerente da Arte da Pele Desenvolvimento de Couros Exóticos Ltda.
Técnico em Química especializado em Química do Couro – Graduação em Biologia com especialização em Biologia da Conservação.
TABELAS DE COTAS DA CITES (www.cites.org)
Python curtus brongersmai
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Python reticulatus
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2002 | Malaysia | 280000 | skins (Note: applies to Peninsular Malaysia only) www.cites.org |
2002 | Malaysia | 1000 | live (Note: applies to Peninsular Malaysia only) www.cites.org |
2001 | Indonesia | 4500 | live CITES Notif. No. 2001/041 |
2001 | Indonesia | 157500 | skins CITES Notif. No. 2001/041 |
2000 | Indonesia | 170830 | skins and live specimens CITES Notif. No. 2000/053 |
1999 | Indonesia | 162000 | skins + live CITES Notif. No. 1999/47 |
1998 | Indonesia | 13860 | skins CITES Notif. No. 1998/07 |
1998 | Indonesia | 5400 | live CITES Notif. No. 1998/07 |
1997 | Indonesia | 162000 | CITES Notif. No. 994 |